Emergencial x Essencial. Hoje completo 63 dias de distanciamento social e vejo como as crises de saúde e econômica geraram um alto grau de incerteza sobre vários aspectos das nossas vidas. Em contato direto com clientes dos mais variados segmentos, empresas de portes e setores diferentes, não sabemos ao certo como ficarão nossas empresas e trabalhos, não temos a exata dimensão de como as escolas vão funcionar daqui para frente na vida dos nossos filhos nos próximos meses e também não sabemos quando o comércio voltará a abrir suas portas.
Perdemos mais de 10 mil brasileiros (números que podem ser bem maiores em função da baixa testabilidade por aqui) e quase 300 mil pessoas pelo mundo por contaminação por Covid-19 que nem sempre foi o protagonista dos noticiários tupiniquins. Para além da pandemia vivemos em paralelo uma eminente crise institucional entre os poderes executivo, legislativo e judiciário e dispersamos muita energia, que é um recurso importante e escasso em tempos de crise.
Entendemos que o terremoto que todos passamos nessas últimas 8 semanas ainda sacode bastante o chão mas já estamos conseguindo lidar um pouco melhor com a trepidação. Tínhamos que adaptar nossas rotinas imediatamente e estamos conseguindo fazer aos poucos. Obviamente que temos muitos “Brasis” com complexidades e necessidades muito diversas mas os programas sociais ainda que de forma lenta, começaram a chegar nas pessoas. Estão havendo algumas flexibilizações para as empresas como financiamento de folha de pagamentos, seguro desemprego para colaboradores que tem seu contrato de trabalho suspenso ou com redução de carga horaria, adiamento de impostos entre outras iniciativas.
Emergencial x Essencial. Nesse sentido noto dois grandes caminhos que se abrem para as empresas neste momento: tratar o emergencial promovendo adaptação do hoje e se preocupar com o fundamental na reinvenção deste futuro absolutamente incerto dos negócios. Olhando para as boas práticas das empresas que estão lidando melhor com a crise destaco como ações emergenciais os seguintes pontos:
i) proteger o caixa, que significa criar uma lógica nova de racionamento dos recursos e defender a receita da melhor forma possível. Neste particular tenho visto exageros tanto na inflexão de contratos juntos aos seus clientes, quanto também percebo oportunismos em relação as negociações com parceiros e fornecedores. Como exemplo trago algumas redes de shoppings que estão inflexíveis com o pagamento dos alugueis das lojas mesmo com as portas do condomínio fechadas;
ii) qualificar a mesa, que quer dizer trazer para seu lado as melhores pessoas que você conseguir. Como proteger o caixa é a primeira ação emergencial e sua disponibilidade de investimento nesta fase está mais baixa, é preciso buscar conselheiros, mentores, ou mesmo outros empreendedores que estão vivendo problemas semelhantes. Os melhores colaboradores no time também precisam ser ouvidos. Gente boa vai ajudar a tomar decisões mais robustas. Considerando a quantidade de variáveis que estamos tratando isso é primordial;
iii) criar cenários, que é ajustar os parâmetros e premissas a luz das informações que vão variando diuturnamente, seja pelas iniciativas do Governo, sejam pelas novas linhas de crédito com subsídios, etc.
Para reinvenção do negócio um outro caminho é escolher as ações estruturais ou fundamentais. Destaco em 3 passos:
iv) Olhar para dentro da empresa, que tem a ver com ajustar processos, criar novos produtos, implantar ferramentas de otimização de desempenho. Neste lugar é importante usar os dados e informações que a empresa dispõe para criar conhecimento e inteligência no negócio. Como a empresa não está a plenos pulmões na sua operação, olhar para os processos internos e melhorá-los pode ser uma oportunidade única;
v) Gerir pessoas de verdade, que é um movimento cada vez mais necessário e agora se torna estrutural para reinventar negócios no novo mundo pós covid. As pessoas buscam por mais pertencimento e protagonismo nas empresas e os modelos de negócios ou mesmo societários poderão se alterar drasticamente. Na nova economia estruturas de vesting ou stock oppitions (quando os colaboradores vestem ou ganham as ações da empresa no tempo) são muito comuns e devem crescer muito nesse sentido;
vi) Ser criativo, que é a capacidade de criar rotas e alternativas para a reinvenção. Para aumentar a capacidade criativa é preciso ter aumento de repertório. E como se faz isso? Estudar, ler, fazer cursos on line e sobretudo se conectar com pessoas de novas áreas vão fazer com que você veja o mundo com lentes mais diversas e portanto que você esteja mais perto (ou menos longe) de entender e captar as novas tendências de comportamento do consumidor. Viajar ajuda muito nesse sentido para abertura de cabeça mas não parece ser uma opção boa neste momento. Guarde esta viagem para depois e encontre formas hoje de aumentar sua capacidade de ver o que está acontecendo.
Estamos no meio do outono e tudo indica que ainda vamos passar dias difíceis até o inverno. Nossa média de mobilidade nos grandes centros está por volta de 50% com tendência de queda. Cidades que tem prefeitos mais conscientes e menos ruidosos, apresentam melhores resultados de contaminação de um modo geral. Depois que passar esta fase não voltaremos ao normal como alguns sugerem que aconteça pois o mundo já mudou. Quando ficarmos livres desta pandemia teremos um mundo para reconstruir e tomara que possamos rebater a famosa frase de Roberto Campos que dizia “infelizmente, o Brasil nunca perde a oportunidade de perder oportunidades”. No mundo antigo era assim, no mundo novo não será.
Roque Almeida
Sócio e fundador da Smart Inteligência Empresarial